Cajueiro-anão: resiliência e inovação garantem renda para famílias do Semiárido
Foto: Verônica Freire - Nos sertões do Piauí, Rio Grande do Norte e Ceará, o cajueiro-anão consolidou-se como símbolo de resistência e inovação

Cajueiro-anão: resiliência e inovação garantem renda para famílias do Semiárido

Fruto de décadas de pesquisa em melhoramento genético, ele garante produção mesmo em anos de severa estiagem na Caatinga

Durante a seca que destruiu várias culturas no Nordeste entre 2012 e 2017, o cajueiro-anão, tecnologia desenvolvida pela Embrapa Agroindústria Tropical (CE), mostrou a sua força na Caatinga. Resistente à escassez hídrica e ao ataque de doenças e pragas, como a mosca-branca, consolidou-se como importante via para garantir renda com sustentabilidade, (agrícola) para agricultores familiares do semiárido nordestino.

A rusticidade da espécie vem de mecanismos fisiológicos únicos. Diferente de muitas plantas, cujas folhas caem para evitar perda de água, o cajueiro mantém a folhagem verde, reduzindo a transpiração sem interromper a fotossíntese, processo essencial para a sobrevivência da planta. Também consegue melhorar a absorção de água do solo e até aproveitar a umidade da madrugada, típica das noites mais amenas do sertão.

“Poucas espécies frutíferas conseguem produzir em pleno período seco. O auge da produção do caju acontece no segundo semestre, justamente quando a maioria das plantas da Caatinga está em baixa atividade metabólica devido à falta de chuvas. É nesse momento que o caju se torna fonte estratégica de renda. Espécies como o juazeiro, por exemplo, têm raízes muito mais profundas, que lhes garante outra estratégia de sobrevivência. Já o cajueiro, mesmo com raízes menos profundas, consegue produzir no período seco. É realmente incrível”, ressalta o pesquisador Marlos Bezerra, da Embrapa Agroindústria Tropical.

Essas características presentes nos clones de cajueiro-anão, associadas a outras vantagens, fizeram muitos produtores migrar para a atividade na última grande seca que dizimou outras culturas, inclusive plantios de antigos cajueiros gigantes. Com o cultivo desses clones associado aos tratos culturais adequados é possível obter, no mínimo, o dobro da produtividade registrada nos tradicionais cultivos de cajueiro gigante.  Os produtores ainda contam com a vantagem de aproveitar o pedúnculo, o que torna a atividade mais atraente economicamente.

Para Bezerra, além da questão da sustentabilidade econômica, o cajueiro-anão oferece uma opção de cultura amigável ao fortalecimento da biodiversidade local, principalmente quando cultivado em sistemas agroecológicos ou integrados, como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Os pomares atraem abelhas, retêm umidade no entorno e favorecem a presença de pequenos animais.

Melhoramento genético

O Programa de Melhoramento Genético da Embrapa desenvolveu clones mais produtivos, resistentes e adaptados a diferentes condições.  Segundo Bezerra, os clones perderam parte da rusticidade dos cajueiros tradicionais, mas ainda preservam uma tolerância importante. “Em condições adversas, produzem menos, mas não deixam de produzir, diferente de outras culturas”, destaca.

Essa estabilidade é estratégica para a agricultura no semiárido. Alguns clones da Embrapa, como o BRS 226, foram selecionados em regiões extremamente secas, como o Piauí, e se destacam pela capacidade de suportar solos arenosos e com alumínio. Outros, como o CCP 51, também têm resistência comprovada e se mostraram estáveis durante a grande seca da última década.

O pesquisador Gustavo Saavedra, chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, explica que essas características são essenciais para garantir a continuidade da cultura e segurança para os produtores. Quem planta os clones da Embrapa sabe que vai colher, com ou sem chuvas. Enquanto outras frutíferas necessitam de altas quantidades de água, o cajueiro consegue produzir bem com uma precipitação anual entre 600 e 800 milímetros. Em anos de elevados déficits hídricos são esses materiais genéticos que se mantêm produtivos no pomar.

“No contexto das mudanças climáticas, a tendência é que algumas regiões tenham maior redução de chuvas e, nestas condições, o cajueiro se sobressai como uma planta resiliente e bem adaptada. Pensando no Nordeste, em especial no Semiárido, desenvolvemos clones para a produção em sistema de sequeiro, com alta performance produtiva e que, bem manejados, podem superar os parâmetros de produção definidos pela pesquisa”, ressalta Saavedra.

O especialista acrescenta, ainda, que em localidades onde outras alternativas agrícolas são inviáveis, o cajueiro proporciona renda e prosperidade e pode contribuir para o desenvolvimento de uma classe média rural.

Recomeço no campo

A produtora Najara Melo, do Rio Grande do Norte, conhece bem essas características do cajueiro. Ao lado dos irmãos, administra uma área de 1.400 hectares dedicados à cajucultura. A severa seca do início da década passada e o ataque da mosca-branca praticamente devastaram os plantios de cajueiro gigante na sua propriedade – cerca de 95% das plantas não resistiram. “Foi um período duríssimo. A gente viu pomares inteiros morrerem, mas nunca pensou em abandonar o caju. Pelo contrário, percebemos que precisávamos recomeçar de forma diferente, com novas tecnologias”, relembra.

O recomeço veio em 2016, com o replantio em grande escala, usando clones de cajueiro-anão. Junto com as mudas, a família adotou práticas adequadas de manejo: podas, nutrição, controle preventivo de pragas e mecanização de parte dos tratos culturais. O resultado não tardou a aparecer. “Quando passamos a adotar esse manejo, conseguimos elevar a produtividade por hectare e alcançamos frutos e castanhas de qualidade superior”, conta Najara.

Hoje os Melo festejam uma produtividade que chega, em anos bons, a dois mil quilos de castanha por hectare ao ano. O modelo de negócio adotado pela família se mostra sustentável pelo aproveitamento integral. “O cajueiro é uma planta mágica, porque tudo nele tem valor: a castanha, o pedúnculo, o caju de mesa, o suco para a indústria e até a lenha resultante da poda”, explica a produtora.

Cultura para gerações futuras

Além de investimentos em tecnologias, o sucesso da cajucultura depende de conhecimentos também sobre a gestão da atividade produtiva. Esse processo envolve um conjunto de práticas para a melhoria da produção, desde a escolha da área, acesso a insumos, diversificação de produtos e agregação de valor, até a comercialização. Instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) atuam para a melhoria das práticas produtivas e de gestão da cultura do caju em diferentes estados do Nordeste.

De acordo com o gestor de projetos do Sebrae da Paraíba, Pablo Queiroz, que acompanha produtores rurais do estado que estão iniciando a produção de caju, uma gestão eficiente possibilita o planejamento financeiro da atividade produtiva, o controle dos gastos, a maximização da produção e a tomada de decisões. Entender os custos de produção e gerir bem a atividade ajuda a garantir rentabilidade e a permanência da cultura como negócio.

“Atendemos produtores com diferentes perfis, mas principalmente agricultores familiares, com orientações técnicas e subsídio financeiro para viabilizar a gestão da propriedade e a produção. Para essa consultoria, levantamos as necessidades de cada agricultor nas diferentes etapas da cultura e orientamos a adoção de práticas voltadas para a melhoria de processos produtivos – do campo à prateleira. Isso inclui desde a escolha da área, acesso a insumos, diversificação de produtos e agregação de valor, até a comercialização. Uma gestão bem feita organiza o negócio, melhora os resultados, aumenta a produtividade, minimiza riscos e contribui para assegurar a cultura para gerações futuras”, explica.

Fonte: Embrapa

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